Os programas de integridade para contratação com a administração pública estadual: nudge ou obrigação legal? Um olhar sobre as duas perspectivas

Cíntia Muniz Rebouças de Alencar Araripe, Raquel Cavalcanti Ramos Machado

Resumo


O relacionamento do setor privado com a Administração Pública tem passado por profundas transformações, sendo uma delas o incentivo dos Poderes à implementação de programas de integridade nas empresas. Por serem custosos e envolverem, no mais das vezes, transformação de cultura, tais programas vinham sendo implantados tão-somente por imperativos de mercado, figurando-se de extrema valia uma política pública baseada em nudges. Sucede que alguns Estados têm exigido os programas de integridade para contratação com a sua Administração. Tem-se por objetivo geral averiguar como seria uma política pública baseada em nudges e outra em exigências legais, confrontando as duas técnicas, inclusive sob a ótica de sua constitucionalidade e oportunidade. Como objetivos específicos, destacam-se: a) compreender a política pública baseada em nudges; b) examinar a constitucionalidade e a oportunidade da exigência, por lei estadual, de programas de integridade para contratar com a Administração; c) debater ambas as técnicas, contrapondo os argumentos. Utilizar-se-á de metodologia de cunho dedutivo teórico, prescritivo e dialético. Remonta a outubro/2017 a lei estadual que primeiro veio obrigar as empresas a implementarem tais programas, sendo a discussão ainda incipiente e, portanto, oportuna e atual. Apesar de o STF não ter sido instado a se manifestar sobre a exigência, por lei estadual, de programas de integridade na contratação com a Administração Pública, a dicção que se extrai dos seus julgados é pela sua inconstitucionalidade. Na doutrina, não há consenso sequer sobre a sua oportunidade. O ordenamento jurídico brasileiro, entretanto, dispõe de ferramentas outras, menos controversas, das quais se pode fazer uso.

Palavras-chave


Política pública; Contratação; Administração Pública; Nudge; Obrigatoriedade; Programas de integridade

Texto completo:

PDF

Referências


BRASIL. Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993. Regulamenta o art. 37, inciso XXI, da Constituição Federal, institui normas para licitações e contratos da Administração Pública e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, 22 jun. 1993. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/l8666cons. Acesso em: 20 maio 2018.

BRASIL. Lei nº 12.846, de 1º de agosto de 2013. Dispõe sobre a responsabilização administrativa e civil de pessoas jurídicas pela prática de atos contra a administração pública, nacional ou estrangeira, e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, 2 ago. 2013. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2013/lei/l12846.htm. Acesso em: 20 maio 2018.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade. Constitucional e administrativo. Lei 3.041/05, do Estado do Mato Grosso do Sul. Licitações e contratações com o poder público. Documentos exigidos para habilitação. Certidão negativa de violação a direitos do consumidor. Disposição com sentido amplo, não vinculada a qualquer especificidade. Inconstitucionalidade formal, por invasão de competência privativa da União para legislar sobre a matéria (Art. 22, inciso XXVII, da CF). 1. A igualdade de condições dos concorrentes em licitações, embora seja enaltecida pela Constituição (art. 37, XXI), pode ser relativizada por duas vias: (a) pela lei, mediante o estabelecimento de condições de diferenciação exigíveis em abstrato; e (b) pela autoridade responsável pela condução do processo licitatório, que poderá estabelecer elementos de distinção circunstanciais, de qualificação técnica e econômica, sempre vinculados à garantia de cumprimento de obrigações específicas. 2. Somente a lei federal poderá, em âmbito geral, estabelecer desequiparações entre os concorrentes e assim restringir o direito de participar de licitações em condições de igualdade. Ao direito estadual (ou municipal) somente será legítimo inovar nesse particular se tiver como objetivo estabelecer condições específicas, nomeadamente quando relacionadas a uma classe de objetos a serem contratados ou a peculiares circunstâncias de interesse local. 3. Ao inserir a Certidão de Violação aos Direitos do Consumidor no rol de documentos exigidos para a habilitação, o legislador estadual se arvorou na condição de intérprete primeiro do direito constitucional de acesso a licitações e criou uma presunção legal, de sentido e alcance amplíssimos, segundo a qual a existência de registros desabonadores nos cadastros públicos de proteção do consumidor é motivo suficiente para justificar o impedimento de contratar com a Administração local. 4. Ao dispor nesse sentido, a Lei Estadual 3.041/05 se dissociou dos termos gerais do ordenamento nacional de licitações e contratos, e, com isso, usurpou a competência privativa da União de dispor sobre normas gerais na matéria (art. 22, XXVII, da CF). 5. Ação direta de inconstitucionalidade julgada procedente. Procurador Geral da República. Governador do Estado do Mato Grosso do Sul e outro. Relator: Ministro Teori Zavascki. Brasília, 08 de set. de 2016. Diário Oficial da União, Brasília, 2016.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade. Direito Administrativo e Constitucional. Lei nº 11.871/02, do Estado do Rio Grande do Sul, que institui, no âmbito da Administração Pública Regional, preferência abstrata pela aquisição de softwares livres ou sem restrições proprietárias. Exercício regular de competência legislativa pelo Estado-membro. Inexistência de usurpação de competência legiferante reservada à União para produzir normas gerais em tema de licitação. Legislação compatível com os princípios constitucionais da separação dos Poderes, da impessoalidade, da eficiência e da economicidade. Pedido julgado improcedente. 1. A competência legislativa do Estado-membro para dispor sobre licitações e contratos administrativos respalda a fixação por lei de preferência para a aquisição de softwares livres pela Administração Pública regional, sem que se configure usurpação da competência legislativa da União para fixar normas gerais sobre o tema (CRFB, art. 22, XXVII). 2. A matéria atinente às licitações e aos contratos administrativos não foi expressamente incluída no rol submetido à iniciativa legislativa exclusiva do Chefe do Poder Executivo (CRFB, art. 61, §1º, II), sendo, portanto, plenamente suscetível de regramento por lei oriunda de projeto iniciado por qualquer dos membros do Poder Legislativo. 3. A Lei nº 11.871/2002 do Estado do Rio Grande do Sul não engessou a Administração Pública regional, revelando-se compatível com o princípio da Separação dos Poderes (CRFB, art. 2º), uma vez que a regra de precedência abstrata em favor dos softwares livres pode ser afastada sempre que presentes razões tecnicamente justificadas. 4. A Lei nº 11.871/2002 do Estado do Rio Grande do Sul não exclui do universo de possíveis contratantes pelo Poder Público nenhum sujeito, sendo certo que todo fabricante de programas de computador poderá participar do certame, independentemente do seu produto, bastando que esteja disposto a celebrar licenciamento amplo desejado pela Administração. 5. Os postulados constitucionais da eficiência e da economicidade (CRFB, arts. 37, caput e 70, caput) justificam a iniciativa do legislador estadual em estabelecer a preferência em favor de softwares livres a serem adquiridos pela Administração Pública. 6. Pedido de declaração de inconstitucionalidade julgado improcedente. DEMOCRATAS. Governador do Estado do Rio Grande do Sul e outro. Relator: Ministro Ayres Britto. Brasília, 09 de abril de 2015. Diário Oficial da União, Brasília, 2015.

BRASIL. Tribunal de Contas da União. Referencial de combate à fraude e corrupção: aplicável a órgãos e entidades da Administração Pública. 2017. Disponível em: http://portal.tcu.gov.br/biblioteca-digital/referencial-de-combate-a-fraude-e-corrupcao.htm. Acesso em: 28 maio 2018.

COSTA, Gabriela Revoredo Pereira da. Compliance, Lei da Empresa Limpa e Lei Sapin II: uma análise da aplicação do regime de obrigatoriedade de adoção de programas de integridade corporativa no Brasil. 2017. 111 f. Monografia (Graduação em Direito) - Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, 2017.

DALLARI, Adilson Abreu. Aspectos jurídicos da licitação. 6. ed. Rio de Janeiro: Saraiva, 1999.

FEDERAÇÃO DAS INDÚSTRIAS DO ESTADO DE SÃO PAULO (FIESP). Corrupção: custos econômicos e propostas de combate. 2010. Disponível em: https://www.google.com.br/url?sa=t&rct=j&q=&esrc=s&source=web&cd=1&ved=0ahUKEwiTiPXCxaTbAhWMfZAKHZJNCj0QFggnMAA&url=http%3 A%2F%2Fwww.fiesp.com.br%2Farquivo-download%2F%3Fid%3D2021&usg=AOvVaw3nuNdZSkRM1 WlFoJrzc3Up. Acesso em: 26 maio 2018.

FERREIRA, Felipe Furtado; POTTUMATI, Eduardo Carlos. A licitação pública como instrumento de desenvolvimento na perspectiva do paternalismo libertário. Revista Brasileira de Políticas Públicas, Brasília, v. 4, n. 1, p. 201-213, 2014.

FONSECA, Antonio. Programa de Compliance ou Programa de Integridade: o que isso importa para o direito brasileiro?. In: LAMBOY, Christian K. de (Org.). Manual de Compliance. São Paulo: Instituto Arc, 2017.

GUIMARÃES, Fernando Vernalha; REQUI, Érica Miranda dos. Exigência de programa de integridade nas licitações. In: PAULA, Marco Aurélio Borges de; CASTRO, Rodrigo Pironti Aguirre de (Org.). Compliance, gestão de riscos e combate à corrupção: integridade para o desenvolvimento. Belo Horizonte: Fórum, 2018.

JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à lei de licitações e contratos administrativos. 15. ed. São Paulo: Dialética, 2012.

MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 11. ed. São Paulo: Malheiros, 1999.

NASCIMENTO, Juliana Oliveira. Panorama internacional e brasileiro da governança, riscos, controles internos e compliance no setor público. In: PAULA, Marco Aurélio Borges de; CASTRO, Rodrigo Pironti Aguirre de (Org.). Compliance, gestão de riscos e combate à corrupção: integridade para o desenvolvimento. Belo Horizonte: Fórum, 2018.

PINHO, Clóvis Alberto Bertolini de. É preciso cautela ao exigir compliance em contrato público. Revista Consultor Jurídico, 2018. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2018-fev-18/clovis-pinho-preciso-cautela-compliance-contrato-publico. Acesso em: 28 maio 2018.

ROSE-ACKERMAN, Susan. Corruption: a study in political economy. New York: Academic Press, Inc., 1978.

ROSE-ACKERMAN, Susan. Corruption and government: causes, consequences, and reform. Cambridge: Cambridge University Press, 1999.

RIO DE JANEIRO. Lei nº 7.753, de 17 de outubro de 2017. Dispõe sobre a instituição do programa de integridade nas empresas que contratarem com a administração pública do Estado do Rio de Janeiro e dá outras providências. Diário Oficial do Estado do Rio de Janeiro, 18 out. 2017.

SOUZA, Horácio Mendes Augusto de. A juridicidade da exigência de programa de integridade para participar de licitações e firmar contratos e outras parcerias com o Estado. Revista da Procuradoria-Geral do Estado do Espírito Santo, Vitória, v. 15, n. 15, p. 143-169, 2017.

THALER, Richard H.; SUSTEIN, Cass R. Nudge: improving decisions about health, wealth, and happiness. New York: Penguin Books, 2009.

ZAGANELLI, Juliana Costa; MIRANDA, Wallace Vieira de. Marco civil da internet e política pública de transparência: uma análise da e-democracia e do compliance público. Revista Brasileira de Políticas Públicas, Brasília, v. 7, n. 3, p. 633-646, 2017.




DOI: https://doi.org/10.5102/rbpp.v8i2.5332

ISSN 2179-8338 (impresso) - ISSN 2236-1677 (on-line)

Desenvolvido por:

Logomarca da Lepidus Tecnologia