A diferenciação funcional da sociedade contemporânea e as estruturas de desigualdade social: uma crítica das práticas de exclusão das organizações da justiça criminal

Maiquel Angelo Dezordi Wermuth, José Francisco Dias da Costa Lyra

Resumo


Este trabalho analisa as exclusões produzidas pela justiça criminal na sociedade contemporânea, a partir de sua característica fundamental: a diferenciação funcional. A diferenciação funcional ou o surgimento de sistemas parciais, dotados de uma específica função, é uma decorrência sociológica da própria evolução da sociedade. São os subsistemas parciais, as organizações e o Estado, as instituições e órgãos encarregadas da ordenação da vida social. Logo, cumpre às organizações do sistema penal e sua burocracia a função de conter a violência e a criminalidade. Na perspectiva do presente estudo, sob os influxos da diferenciação funcional, intensificam-se os processos de exclusão e invisibilidade social, pois, na atualidade, já não se conta com a função mediadora da inclusão do Estado nacional. Conclui-se que o sistema da justiça penal, por vezes, seguindo orientações informais de cor, raça, classe social, intensifica os processos de exclusão, afastando-se da própria legalidade e negando reconhecimento a certos coletivos sociais. Cuida-se de pesquisa bibliográfica, desenvolvida com base no método dedutivo.

Texto completo:

PDF

Referências


BECK, Ulrich. La sociedad del riesgo: hacia una nueva modernidad. Tradução de Jorge Navarro et al. Barcelona: Paidós, 2006.

BECK, Ulrich. O que é globalização: equívocos do globalismo, respostas à globalização. Tradução de André Carone. São Paulo: Paz e Terra, 1999.

BODEMER, Klaus. Violência e (in)segurança cidadã na América Latina: percepções, dados empíricos e respostas teóricas e políticas. In: AMBOS, Kai; BÖHM, María Laura. Desenvolvimentos atuais das ciências criminais na Alemanha. Brasília: Gazeta Jurídica, 2013. p. 253-258.

BRANDARIZ GARCÍA, José Ángel. Sistema penal y control de los migrantes: gramática del migrante como infrector penal. Granada: Comares, 2011.

BRASIL. Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias – Atualização – Junho de 2017. Organização de Marcos Vinícius Moura Silva. Brasília: Ministério da Justiça e Segurança Pública; Departamento Penitenciário Nacional, 2019a. Disponível em: http://depen.gov.br/DEPEN/depen/sisdepen/infopen/relatorios-sinteticos/infopen-jun-2017-rev-12072019-0721.pdf. Acesso em: 26 mar. 2022.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Declaratória de Constitucionalidade nº 43/DF. Requerente: Partido Ecológico Nacional. Relator: Ministro Marco Aurélio, 07 de novembro de 2019b. Disponível em: http://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=4986065. Acesso em: 22 mar. 2022.

BRASIL. Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias – Período de Janeiro a Junho de 2020. Brasília: Departamento Penitenciário Nacional, 2021b. Disponível em: https://www.gov.br/depen/pt-br/sisdepen. Acesso em: 21 mar. 2022.

CANCIO MELIÁ, Manuel; GÓMEZ-JARA DÍEZ, Carlos. Derecho penal del enemigo. El discurso penal de la exclusión. Montevideo-Buenos Aires: IBDEF, 2006. v. 1 e 2.

CASTRO, André Giovane de; WERMUTH, Maiquel Ângelo Dezordi. Estado de coisas inconstitucional: a violação de direitos humanos no sistema carcerário brasileiro. São Paulo: Editor Dialética, 2021.

DE GIORGI, Alessandro. A miséria governada através do sistema penal. Tradução de Sérgio Lamarão. Rio de Janeiro: Revan, 2006.

DE GIORGI, Alessandro. Tolerancia cero: estratégias y prácticas de la sociedad de control. Tradução de Iñaki Rivera e Marta Manclús. Barcelona; Virus, 2005.

DIETER, Maurício Stegemann. Política criminal atuarial: a criminologia do fim da história. Rio de Janeiro: Revan, 2013a.

DIETER, Maurício Stegemann. Lógica Atuarial e incapacitação seletiva: a farsa da eficiente gestão diferencial das novas classes perigosas. Revista EPOS, Rio de Janeiro, v. 4, n. 1, p. 1-31, jan./jun. 2013b.

DÍEZ RIPOLLÉS, José Luis. El abuso del sistema penal. Revista Electrónica de Ciência Penal y Criminologia, [S. l.], n. 19-1, p. 01-24, 2017.

DÍEZ RIPOLLÉS, José Luis. El control de espacios público como técnica de exclusión social. Revista Electrónica de Ciência Penal y Criminologia, [S. l.], n. 12, p. 01-28, 2014a.

DÍEZ RIPOLLÉS, José Luis. Sanciones adicionales a delincuentes y exdelincuentes: contrastes entre Estados Unidos de América y países nórdicos europeus. Revista para el Análise del Derecho- INDRET, Barcelona, p. 02-37, 2014b.

DUTRA, Roberto. Diferenciação funcional e a sociologia da modernidade brasileira. Política & Sociedade, Florianópolis, v. 5, n. 34, p. 77-109, set./dez. 2016.

DUTRA, Roberto. Sistema político-administrativo e interações na implementação de políticas públicas. Revista Brasileira de Ciência Sociais, Rio de Janeiro, v. 45, n. 102, p. 01-21, 2020.

FERRAJOLI, Luigi. Democracia e medo. Tradução de Sérgio Lamarão. Discursos sediciosos: crime, direito e sociedade, Rio de Janeiro, ano 19, n. 21/22, p. 117-127, 1 e 2 sem. 2014.

FERRAJOLI, Luigi. Derecho y razón: teoría del garantismo penal. Tradução de Perfecto Andrés Ibánez et al. 6. ed. Madri: Trotta, 2004.

FERRAJOLI, Luigi. Escritos sobre derecho penal: nacimiento, evolución y estado actual del garantismo penal. Buenos Aires: Hammurabi, 2018.

FERREIRA, Daniel Victor de Sousa; BORGES, Jacquelaine Florindo. O policiamento comunitário como uma prática social e o gerencialismo na segurança pública: análises de uma unidade operacional da Polícia Militar. REAd: Revista Eletrônica de Administração, Porto Alegre, vol. 26, n. 3, p. 642-672, 2020.

FÓRUM BRASILEIRO DE SEGURANÇA PÚBLICA. Anuário brasileiro de segurança pública 2021. São Paulo: Fórum Brasileiro de Segurança Pública, 2021. Disponível em: < https://forumseguranca.org.br/wp-content/uploads/2021/07/anuario-2021-completo-v4-bx.pdf>. Acesso em: 21 abr. 2021.

GARCÍA BLANCO, José María. La exclusión social em la teoría social de Niklas Luhmann. Século XXI. Revista de Ciências Sociais, Santa Maria, v. 2, n. 1, p. 43-71, jan./jun. 2012.

GLOECKNER, Ricardo Jacobsen. Autoritarismo e processo penal. Florianópolis: Tirant Lo Blanch, 2018.

GÓMEZ, José María (org.). América Latina y el (des)orden global neoliberal: hegemonia, contrahegemonía, perspectivas. Buenos Aires: Clacso, 2004.

HABERMAS, Jürgen. Direito de democracia: entre facticidade e validade I. 2. ed. Tradução de Flávio Beno Siebeneichler. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2003.

HABERMAS, Jürgen. O discurso filosófico da modernidade. Tradução de Ana Maria Bernardo et al. 3. ed. Lisboa: Dom Quixote, 2000.

HABERMAS, Jürgen (org.). La posmodernidad. Barcelona: Kairós, 1983.

HALLSWORTH, Simon. A questão de uma punição pós-moderna. In: CANÊDO, Carlos; FONSECA, David S. (org.). Ambivalência, contradição e volatilidade do sistema penal: leituras contemporâneas da sociologia da punição. Belo Horizonte: UFMG, 2012. p. 185-209.

HARVEY, David. Condição pós-moderna. 18. ed. Tradução de Adail Ubirajara Sobral e Maria Stela Gonçalves. São Paulo: Loyola, 2008.

INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA (IBGE). Desigualdades Sociais por Cor ou Raça no Brasil. Estudos e Pesquisas, Informação Demográfica e Socioeconômica, n. 41, 2019. Disponível em: . Acesso em: 20 abr. 2022.

INSTITUTO DE PESQUISA ECONÔMICA APLICADA (IPEA). Desenvolvimento humano nas macrorregiões brasileiras 2016. Brasília: PNUD; IPEA; FJP, 2016. Disponível em: . Acesso em: 20 abr. 2022.

KHALED JR, Salah. A busca da verdade no processo penal: para além da ambição inquisitorial. 2. ed. Belo Horizonte: Letramento, 2016.

KHALED JR., Salah; DIVAN, Gabrriel Antinolfi. A captura psíquica do juiz e o sentido da atividade probatória no processo penal contemporâneo. Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, n. 156, p. 396-423, jun. 2019.

LIPOVETSKY, Gilles. A inovação destruidora: ensaio sobre a lógica das sociedades modernas. Tradução de Vera Lucia dos Reis. Rio de Janeiro: Objetiva, 2015.

LIPOVETSKY, Gilles. Os tempos hipermodernos. Tradução de Mauro Vilela. São Paulo: Barcarolla, 2004.

LOPES JÚNIOR, Dalmir. O contrato como intertextualidade: o papel do direito privado em face da poli contexturalidade. In: SCHWARTZ, Germano (org.). Juridicização das esferas sociais e fragmentação do direito na sociedade contemporânea. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012. p. 151-153.

LUHMANN, Niklas. La sociedad de la sociedad. Tradução de Javier Nafarrate Torres. México: Herder, 2007a.

LUHMANN, Niklas. Complejidad y modernidad: de la unidad a la diferencia. Tradução de Josetxo Berian e José María García Blanco. Madrid: Trotta, 1998.

LUHMANN, Niklas. Inclusão/exclusão. In: DUTRA, Roberto; BACHUR, João Paulo. Dossiê Niklas Luhmann. Belo Horizonte: UFMG, 2013. p. 15-50.

LUHMANN, Niklas. Organización y decisión: autopoiesis, acción y entendimiento comunicativo. Barcelona: Anthropos, 2005.

LUHMANN, Niklas. Teoría politica en el estado de bienestar. Madrid: Alianza, 2007b.

LYOTARD, Jean-François. A condição pós-moderna. Tradução de Ricardo Corrêa Barbosa. 9. ed. Rio de Janeiro: José Olímpio, 2006.

MACHADO, Bruno Amaral. Justiça criminal: diferenciação funcional, interações organizacionais e decisões. Madri: Marcial Pons, 2014.

MÉNDEZ, Juan E.; O´DONNELL, Guilhermo; PINHEIRO, Paulo Sérgio (org.). Democracia, violência e injustiça: o não-estado de direito na América Latina. São Paulo: Paz e Terra, 2000.

MENKE, Christoph. Direito e violência: estudos críticos. Tradução de Antonio Francisco de Sousa, Antonio Franco e Geraldo Luiz de Carvalho Neto. São Paulo: Saraiva, 2019.

MOREIRA, Nelson Camatta; CARVALHO, Thiago Fabres de. Interpretação do direito e retórica nas decisões penais. Discursos Sediciosos: crime, direito e sociedade, Rio de Janeiro, ano 11, n. 15/16, p. 149-166, 1 e 2 sem. 2007.

NAÇÕES UNIDAS NO BRASIL. Brasília, DF, 2020. Disponível em: https://nacoesunidas.org/brasil. Acesso em: 20 abr. 2020.

NAÇÕES UNIDAS NO BRASIL. CEPAL. Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe. [S. l.]: ONU, [2020]. Disponível em: https://nacoesunidas.org/cepal. Acesso em: 20 abr. 2020.

NEVES, Marcelo. Aumento de complexidade nas condições de insuficiente diferenciação funcional: o paradoxo do desenvolvimento social da América Latina. In: SCHWARTZ, Germano (org.). Juridicização das esferas sociais e fragmentação do direito na sociedade contemporânea. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012. p. 199-207.

NEVES, Marcelo. Constituição e direito na modernidade periférica: uma abordagem teórica e uma interpretação do caso brasileiro: São Paulo: Martins Fontes, 2018.

NEVES, Marcelo. Entre Têmis e Leviatã: uma relação difícil. São Paulo: Martins Fontes, 2006.

NEVES, Marcelo. La Constitución y la esfera pública: entre diferenciación sistémica, inclusión y reconocimiento. Doxa, Cadernos de filosofia del derecho, [S. l.], n. 37, p. 163-192, 2014.

O´DONNEL, Guilhermo. Poliarquias e a (in)efetividade da lei na América Latina. In: MENDEZ, J.; O´DONNEL, G. PINHEIRO, P. S. (org.). Democracia, violência e injustiça. O não-estado de direito na América Latina. São Paulo: Paz e Terra, 2000. p. 337-375.

OLIVEIRA, Nielmar de. IBGE: 50 milhões de brasileiros vivem na linha de pobreza. Agência Brasil, Rio de Janeiro, 15 dez. 2017. Disponível em: https://agenciabrasil.ebc.com.br/economia/noticia/2017-12/ibge-brasil-tem-14-de-sua-populacao-vivendo-na-linha-de-pobreza. Acesso em: 20 abr. 2020.

PRZEWORSKI, Adam. La democracia como resultado contingente de conflictos. In: ELSTER, Jon; SLAGSTAD, Rune. Constitucionalismo y democracia. Tradução de Mónica Utrilla de Neira. México: Fundo de Cultura Económica, 2017. p. 89-110.

SASSEN, Saskia. Território, autoridad y derechos: de los ensamblajes medievales a los ensamblajes globales. Buenos Aires: Katz, 2013.

STICHWEH, Rudolf. Inclusão/exclusão, diferenciação funcional e teoria da sociedade mundial. In: DUTRA, Roberto; BACHUR, João Paulo. Dossiê Niklas Luhmann. Belo Horizonte: UFMG, 2013. p. 51-73.

STICHWEH, Rudolf. Teoria dos sistemas de exclusão: sobre o conflito entre o Estado de bem-estar social e a globalização dos sistemas funcionais. Revista Sociedade e Estado, Brasília, DF, v. 34, n. 3, p. 869-885. set./dez. 2019.

TEUBNER, Gunther. Direito, sistema e policontextualidade. Piracicaba: UNIMEP, 2005.

TORRES JUNIOR, Roberto Dutra. O primado da diferenciação funcional e a continência das estruturas de desigualdade social. In: TORRES JUNIOR, Roberto Dutra; BACHUR, João Paulo (org.). Dossiê Niklas Luhmann. Belo Horizonte: UFMG, 2013. p. 219-248.

UNITED NATIONS DEVELOPMENT PROGRAMME AND OXFORD POVERTY AND HUMAN DEVELOPMENT INITIATIVE (UNDP-OPHI). Global Multidimensional Poverty Index 2019: Illuminating Inequalities. Disponível em: . Acesso em: 20 abr. 2022.

WACQUANT, Loïc. As prisões da miséria. Tradução de André Telles. Rio de Janeiro: Zahar, 2001.

WACQUANT, Loïc. Castigar els probres: el nou govern de la inseguret social. Tradução de Lourdes Bigorra. Barcelona: 1984 [2006].

WACQUANT, Loïc. Punir os pobres: a nova gestão da miséria nos Estados Unidos. 2. ed. Tradução de Eliana Aguiar. Rio de Janeiro: Revan, 2003.

WEIB, Anja. Diferenças que fazem a diferença: situação de classe nas teorias de Pierre Bourdieu e Niklas Luhmann. In: TORRES JUNIOR, Roberto Dutra; BACHUR, João Paulo (org.). Dossiê Niklas Lumann. Belo Horizonte: UFMG, 2013. p. 75-99.




DOI: https://doi.org/10.5102/rbpp.v13i2.8464

ISSN 2179-8338 (impresso) - ISSN 2236-1677 (on-line)

Desenvolvido por:

Logomarca da Lepidus Tecnologia