A função garantista processual dos princípios restaurativos

Rubens Lira Barros Pacheco, Selma Pereira de Santana

Resumo


O objetivo deste artigo é investigar a relação entre as garantias processuais penais e os princípios restaurativos no ordenamento jurídico brasileiro. Questiona-se se a Justiça Restaurativa, a fim de propor um modelo de justiça não-punitivo, poderia fazer retroceder as conquistas do garantismo penal. A pesquisa se justifica considerando que a Justiça Restaurativa, de inspiração abolicionista, apresenta notas claras de oposição aos fundamentos do sistema penal. No entanto, longe de suplantá-lo, as práticas restaurativas brasileiras procuram articular-se com ele, comunicando-se justamente através de institutos processuais penais. Considerando que as garantias processuais penais também são fundamentos desse modelo punitivo, investiga-se se haveria um risco dessa relação ambígua produzir, em alguma medida, também uma negação dessas garantias. A pesquisa é original e seu valor deriva do fato de que, caso comprovada uma oposição insuperável entre os modelos, a viabilidade dos programas restaurativos poderia ser questionada. Os métodos adotados são os da pesquisa teórica e da interpretação teleológica. A técnica aplicada é a da pesquisa bibliográfica. Como resultado, percebeu-se no plano teleológico entre os axiomas garantistas processuais e os princípios restaurativos, a existência de um espaço de harmonização, tanto no que tange à natureza das funções que exercem no interior de seus modelos, quanto na função política comum que se assinala entre eles. Conclui-se que o princípio restaurativo da confidencialidade, em especial, exerce sob determinadas circunstâncias, uma função de verdadeira garantia processual penal. O artigo se destina especialmente aos acadêmicos e profissionais que lidam com o tema da institucionalização da Justiça Restaurativa no Brasil.

Palavras-chave


Justiça Restaurativa; Garantismo penal; Garantias processuais; Princípios restaurativos

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DOI: https://doi.org/10.5102/rbpp.v13i1.8793

ISSN 2179-8338 (impresso) - ISSN 2236-1677 (on-line)

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