Do processo-rocco ao processo-risco: o paradigma negocial tornando démodé a constitucionalização do processo penal brasileiro

Rui Carlo Dissenha, Ana Paula Kosak

Resumo


O presente estudo parte da concepção sobre a sociedade do risco e suas demandas, pautada pela lógica da insegurança, necessidade de prevenção de riscos, celeridade e eficiência, e suas influências no processo penal brasileiro. Objetiva-se analisar como a sociedade do risco alimenta uma busca pelo eficientismo no processo penal por meio da adoção de mecanismos negociais na legislação processual penal. Para isso, o artigo realiza uma análise das características centrais da sociedade de risco na gestão do poder punitivo e, em seguida, passa a analisar as recentes mudanças processuais penais que materializam tais demandas na adoção do paradigma negocial adotado pela legislação brasileira especialmente a partir dos anos noventa. A discussão seguinte é realizada na tentativa de demonstrar como esse novo paradigma processual, embora amplamente aceito, entra em conflito com os ditames da Constituição Federal de 1988. Por fim, o artigo defende a razão desse conflito como baseada na falta da oportuna e necessária constitucionalização do processo penal brasileiro, que deveria ter ocorrido ainda nos anos noventa. A perda dessa chance colocou o processo penal nacional refém das demandas eficientistas da sociedade do risco que rejeita, em grande medida, o conteúdo axiológico humanizador presente nos ditames de 1988.

Palavras-chave


Sociedade do risco; Processo Penal; Mecanismos negociais; Direitos fundamentais

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DOI: https://doi.org/10.5102/rbpp.v13i1.8826

ISSN 2179-8338 (impresso) - ISSN 2236-1677 (on-line)

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