Por que a área do direito não tem cultura de pesquisa de campo no Brasil?
Résumé
A ciência evolui não apenas pela confirmação das ideias, mas pelo seu falseamento. Apesar da importância da pesquisa de campo como meio hábil para se testar hipóteses, contrastar crenças e evidências e fazer avançar o conhecimento, verifica-se que, na área do direito, as pesquisas costumam limitar-se apenas à pesquisa bibliográfica. O presente estudo tem como objetivo mapear os principais fatores que têm dado ensejo à perpetuação desse quadro, por meio de hipóteses que demandarão pesquisas futuras, a fim de se testar a validade de seu potencial explicativo, de modo a aprimorar os diagnósticos ora traçados e caminhar rumo às suas soluções. Assim, o trabalho parte da via indutiva, calcada na observação participativa e não-participativa dos estudos que, via de regra, são produzidos na área do Direito. A partir da observação de casos particulares, que se repetem de forma sistemática, chega-se à constatação, de caráter generalizante, de que a pesquisa jurídica brasileira ainda está circunscrita, em sua maior parte, à pesquisa bibliográfica, enquanto que as pesquisas de campo permanecem sendo uma exceção. Compreendendo-se que a baixa incidência da pesquisa de campo constitui um importante obstáculo ao amadurecimento da pesquisa jurídica no Brasil, busca-se esquadrinhar hipóteses capazes de esclarecer alguns dos fatores que têm afastado os pesquisadores jurídicos dos estudos de campo. Como as reflexões ora desenvolvidas são de natureza hipotético-indutivas, seu potencial explicativo deve ser submetido à comunidade de pesquisadores interessados em retomá-las, posteriormente, a fim de submeter tais hipóteses aos necessários testes da via dedutiva, seja para confirmá-las, seja para falseá-las. A título de conclusões provisórias, são apontadas, em especial: (i) a apropriação, pela Academia, de uma lógica inerente ao ambiente forense, transmudando-se a pesquisa jurídica numa espécie de “pesquisa-advocatícia”, pela qual uma parcela da pesquisa jurídica estaria tão contaminada pelo viés de confirmação, que os pesquisadores evitariam ir a campo para não incorrerem no risco de de defrontarem com resultados capazes de frustrar as suas expectativas e preferências ideológicas; (ii) a disseminação de um modelo de ensino jurídico pouco afeito ao debate, ao questionamento e à crítica forjaria um ambiente acadêmico fortemente impactado pela mera reprodução de argumentos de autoridade, em detrimento do espírito crítico, autônomo e investigativo que está na base de uma autêntica pesquisa de campo.
Palavras-chave: Pesquisa de campo. Cultura de pesquisa. Metodologia científica. Ensino jurídico. Pesquisa jurídica.
WHY THE STUDIES ON LAW DO NOT PRESENT A CULTURE OF FIELD RESEARCH IN BRAZIL?
ABSTRACT
Science does not develop only by the confirmation of hypothesis, but also by its falseabilities. Despite the importance of field research as a capable mean to test hypothesis, to contrast beliefs and evidences and to burst the knowledge, in Law, researches are usually limited to bibliography. This study aims to map the main factors that contribute to the maintenance of this framework, presenting hypothesis that will demand be tested by future researches designed to check their validity, for enhancing the present diagnosis. The work was based on induction, from participatory and non-participatory observations of papers produced in Law, in Brazil, developing the perception that the Brazilian legal investigation is still largely confined to bibliographical research, while field research remain an exception. Understanding that the low incidence of field research is an important hindrance to the maturation of legal investigation in Brazil, it is sought to explore hypotheses capable of clarifying some of the factors that have kept juridical researchers out from field quests. As the reflections developed here are inductive-hypothetical, in nature, their explanatory potential must be submitted to the community of researchers interested in retrieving them later, in order to submit such hypotheses to the necessary tests of the deductive path, either to confirm them, or to falsify them. By way of provisional conclusions, the following are pointed out in particular: (i) the appropriation by the Academy of a logic inherent in forensic environment, with legal research becoming a sort of "research-advocacy", whereby a portion of research would be so contaminated by the confirmation bias that researchers would avoid going to the field not to incur the risk of facing results that could frustrate their expectations and ideological preferences; (ii) the dissemination of a model of legal education unsuited to debate, questioning and criticism would forge an academic environment strongly impacted by the mere reproduction of authoritative arguments, to the detriment of critical, autonomous and investigative spirit that underlies an authentic field research.
Keywords: Field Research. Research Culture. Scientific Methodology. Law Teaching. Juridical Research.
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DOI: https://doi.org/10.5102/rbpp.v8i1.4944
ISSN 2179-8338 (impresso) - ISSN 2236-1677 (on-line)