Desigualdade racial no enlutamento materno: uma análise crítica do contexto brasileiro
Resumo
O presente estudo discorre criticamente sobre a disparidade racial no enlutamento
materno, tendo em vista o contexto brasileiro. Reconhecendo o luto como um
fenômeno complexo e socialmente constituído, verifica-se que, na literatura, o luto
aparece majoritariamente como um fenômeno intrapsíquico. Há importantes lacunas
quanto à compreensão desse construto como um fenômeno atravessado pela
interseccionalidade, ou seja, faz-se necessário agregar a dimensão étnico-racial aos
aspectos socioeconômicos e de gênero que moldam as experiências de perda. Desse
modo, o objetivo geral desta pesquisa foi investigar as vivências de mulheres negras
diante da perda de seus filhos, buscando compreender a disparidade racial na
experiência do luto materno vivenciado por elas. Para isso, utilizou-se a metodologia
qualitativa, de natureza básica de tipo exploratória, na qual foi realizado o
recrutamento de 02 participantes, a partir dos critérios estabelecidos, sendo efetuadas
- virtualmente - 03 entrevistas de base compreensiva, com duração média de 1h a 1h30
com cada participante. As entrevistas foram aplicadas de maneira semi-estruturada,
com a utilização do método de estudo de caso. No que se refere ao processo de coleta
de dados, foram utilizados três instrumentos: questionário sociodemográfico,
entrevistas semiestruturadas e complemento de frases. Como metodologia para a
análise das informações adquiridas, foi escolhida a Análise de Conteúdo, de Laurence
Bardin, objetivando, mediante uma investigação das falas das participantes, realizar
reflexões e interpretações dos relatos, trazendo os temas mais dominantes, em torno
do objeto de pesquisa, dos diálogos e traçando uma contextualização com seus
cenários políticos e sócio-históricos. Diante disso, foram construídos 02 temas e 04
subtemas com conceitos orientadores a fim de fomentar a interpretação e discussão
dos resultados. Os resultados apontam que ser mãe é uma realidade ameaçadora e
solitária, ao mesmo tempo em que configura a resistência como forma de viver. A luta
do maternar, portanto, aparece como uma resposta aos dispositivos de violência
(concreta e simbólica) que regulam as experiências da mulher racializada,
representando fundamentalmente, um ato político. Além disso, o relato das
participantes denuncia não só a ausência de suporte ao luto, mas principalmente, o
desamparo como um produto de um sistema de silenciamento e invisibilidade dos
aspectos racializados da morte, considerando seu luto como ilegítimo. Os casos
ilustram experiências que atravessam o Sistema Único de Saúde, instituições religiosas
e laborais, sendo possível observar o atravessamento da discriminação nas relações
interpessoais e nos processos institucionais. Percebeu-se que as relações de opressão e
silenciamento que atravessam a vida de pessoas negras são reproduzidas também na
morte, isto é, embora tenham tido perdas distintas, assim como sistemas de suporte
diferentes, a sensação de desamparo e solidão para enfrentar o luto aparece como
característica comum, constituindo um sofrimento negligenciado e corroborando para
a deterioração de sua saúde física e mental. Portanto, a morte em si não se mostrou
como a principal fonte de dor, e sim as circunstâncias sociais que potencializaram o
adoecimento, confirmando a indissociabilidade do luto da sua dimensão sócio-cultural.
Palavras-chave
Texto completo:
PDFDOI: https://doi.org/10.5102/pic.n0.2023.9958
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