“Direito tinha, o que faltava era o acesso”: uma análise da judicialização do aborto legal no Brasil

Henderson Fürst de Oliveira, Lorenna Medeiros Toscano de Brito, Mariana de Siqueira

Resumo


Analisou-se, neste estudo, a judicialização do aborto legal no Brasil, com base em 04 casos publicizados de abortamento em razão do risco à vida da gestante, estupro de vulnerável, atos não consentidos e a ausência de expectativa de vida do feto. Os direitos reprodutivos das mulheres fazem parte da livre escolha em gestar ou não, inclusive, sendo uma forma de planejamento familiar, conforme expresso na Constituição de 1988. Todavia, percebe-se que o poder hegemônico subjugou e padronizou papéis sociais, sendo determinada às mulheres a maternagem compulsória como natural e sem exceções, o que colabora para empecilhos ao direito e acesso ao aborto legal, sofrendo impasses institucionais e de ética privada, necessitando ser judicializado. Por isso, questionam-se, neste artigo: quais os motivos pelos quais o aborto legal depende de intervenção judicial? E, nesse sentido, esta é suficiente? A hipótese é a de que há uma construção social para que esse papel seja voltado ao Judiciário. A metodologia é investigativa e exploratória, fundamentada em estudo de caso, com pesquisa documental e revisão de literatura. Na conclusão, nota-se que a judicialização é uma forma de suprir lacunas e ausências do Executivo e Legislativo, sendo uma atuação política,
mas que não caracteriza ativismo judicial, já que o Judiciário não faz um papel de poder criador.

Palavras-chave


Aborto legal; Poder Judiciário; Direitos Reprodutivos; Judicialização.

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DOI: https://doi.org/10.5102/rbpp.v14i2.8676

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