Direito Internacional Imperial e a circulação de uma cultura jurídica hegemônica: por uma matriz desenvolvimentista brasileira

Roberto Guilherme Leitão, Rômulo Guilherme Leitão

Resumo


A compreensão dos problemas e das idiossincrasias das políticas de desenvolviemto da América Latina, como um todo, e do Brasil, em específico, perpassa uma análise crítica da geopolítica mundial e do direito internacional. A América Latina, sob uma matriz de integração regional eurocêntrica, regionalmente homogênea, e uma ideologia que envolve categorias metodológicas (centro-periferia, metrópole-colônia, civilização-barbárie, produção-recepção) suscita e enfrenta considerações relacionais a envolverem as ideias de império, hegemonia, globalização, do direito internacional, das leis de império, do Estado de Direito, desenvolvimento econômico, teoria dos transplantes legais e a Escola Direito e Desenvolvimento. A questão a ser discutida é, nesta perspectiva, como estabelecer um liame relacional entre as políticas de integração da América Latina e do Brasil engendradas a partir dos centros de poder local frente a geopolítica mundial e as manifestações normativas veiculadas pela dogmática do direito internacional. A pluralidade de institutos e instrumentos de ordenação-manipulação de poder veiculados pelo direito internacional produzem efeitos contrários aos interesses geopolíticos da região latino-americana? Este é o objeto central do artigo. Para tanto, o Direito Internacional há de ser concebido como um sistema complexo, isto é, como sistema no qual a interação entre atores e processos, numa relação espaço-temporal, que apresenta diversidade e dinâmica próprios. Com efeito, há de ser feita uma aproximação dos elementos marcantes da geopolítica do conhecimento jurídico (Direito Internacional) e dos modelos de desenvolvimento econômico, consagrados por organismos internacionais não-estatais. Dispõe-se a enfrentar o tema das ingerências e condicionamentos impostos por Organismos Internacionais, com o fim de promover, financiar, implementar o arcabouço jurídico e político-institucional na América Latina. O artigo aborda as teorias de comparação jurídico-constitucional, em um perspectiva dinâmica dos "fluxos jurídicos", próprio do contexto normativo globalizante, utilizando-se fundamentos doutrinários da teoria dos legal transplants contextualizados histórica e culturalmente com a realidade latino americana, no propósito de consagrar identidade e fundamento legitimador do Direito Internacional. Por fluxos jurídicos concebem-se interações comunicativas que ocorrem entre os operadores do direito de diversos ordenamentos e racionalidades jurídicas. Esta dinâmica normativa produzi imitações, migrações de ideias constitucionais, empréstimos constitucionais entre várias ordens jurídicas. Há de ser ressaltada, no caso da América Latina, a existência de transferências voluntárias e outras frequentemente violentas, resultantes da teorização da teoria da lei imperial consagradora do processo geral de americanização do pensamento jurídico. Como consequência do fenômeno, forma-se uma camada dominante dos sistemas jurídicos em todo o mundo e é produzida, no interesse do capital internacional, por uma variedade de instituições públicas e privadas, e compartilhada com uma lacuna de legitimidade. Neste contexto, o referido modelo legislativo é moldado por um processo espetacular de contundência, para fins de dominação hegemônica, estabelecendo e subordinando arranjos legais locais de todo o mundo, reproduzidos em escala mundial o mesmo fenômeno do dualismo legal que até agora tem como característica o direito internacional dos países em desenvolvimento. A internacionalização de modelos políticos-institucionais e jurídicos, com baixa densidade democrática, perpassa fronteiras, macula o Estado Nacional e corrompe a Soberania Política, pautando abalos e corrosões nos sistemas políticos que afetam o paradigma normativo tanto a nível de sistemas internos, como na ordem internacional e supranacional. Reforçando, Ferrajoli constata que "O Ocidente exportou durante o século passado um modelo já em estado de crise nacional, e, em conjunto, a ilusão de que havia garantias suficientes para autodeterminação e independência." Ocorre, no entanto, que tal modelo pressupõe um processo decisório antecipado de tomadas de decisões no centro do mundo: isto é, das políticas decididas "democraticamente" pelas maiorias ricas e influentes de um número restrito de potências ocidentais que controlam Instituições internacionais e o direito internacional delas resultantes.

Texto completo:

PDF

Referências


ARAÚJO, Sara. Desafiando a colonialidade. A ecologia de justiças como instrumento da descolonização jurídica. Hendu–Revista Latino-Americana de Direitos Humanos, v. 6, n. 1, p. 26-46, 2015.

ANGHIE, A. Imperialism, Sovereignty and the Making of International Law. New York: Cambridge University Press, 2004.

BENTON, Lauren. Made in empire: Finding the history of international law in imperial locations: introduction. Leiden Journal of International Law, v. 31, n. 3, p. 473-478, 2018.

BRANCO, Luizella. Transnormatividade e cosmosmopolitismo jurídico: interfaces do direito administrativo global. Direito UNIFACS–Debate Virtual, n. 168, 2014. http://www.revistas.unifacs.br/index.php/redu/article/view/3163. Acesso em 05 jun 2017.

CISSÉ, Hassane; MULLER, Sam; THOMAS, Chantal; WANG, Chenguang. 2013. The World Bank Legal Review, Volume 4 : Legal Innovation and Empowerment for Development. World Bank Legal Review;. Washington, DC: World Bank. © World Bank. https://openknowledge.worldbank.org/handle/10986/12229 License: CC BY 3.0 IGO. Acesso em 05 jun 2017.

CRUZ, Guilherme. O direito subsidiário na história do direito português. In: Obras Esparsas. Coimbra: Universidade de Coimbra, 1981, v. 2, parte 2, pp. 391-408.

FERGUSON, Niall. Empire: The Rise and Demise of the British World and the Lessons for Global Power (New York: Basic Books, 2003).

FERRAJOLI, Luigi. La crisis de la democracia en la era de la globalización. In: Anales de la cátedra Francisco Suárez. 2005. p. 37-67.

FISCHER-LESCANO, Andreas & TEUBNER, Gunther. (2012) “Colisões de regimes – a busca vã por unidade jurídica na fragmentação do direito global”. In: Revista Brasileira de Estudos Constitucionais – RBEC. Belo Horizonte, ano 6, n. 21, p.105-155, jan./mar. 2012.

FRANKENBERG, Günther. A gramática da constituição e do direito. Trad. Elisete Antonuk. Belo Horizonte: Del Rey, 2007.

GARAVITO, César Rodríguez (coord.). El derecho en América Latina: un mapa para el pensamiento jurídico del siglo XXI. Buenos Aires: Siglo Veintiuno Editores, 2011.

GARGARELLA, Roberto. As pré-condições econômicas do autogoverno político. In: _________. GARGARELLA, Roberto. Explicando el constitucionalismo latinoamericano. Rechtsgeschichte-Legal History, 2014.

GOMES NETO, José Mário Wanderley. Direito e desenvolvimento na perspectiva da consolidação do rule of law. Duc In Altum-Caderno de Direito, v. 3, n. 4, 2012.

HOLMES, Pablo. O Constitucionalismo entre a Fragmentação e a Privatização: Problemas Evolutivos do Direito e da Política na Era da Governança Global. Revista Dados, v. 57, n. 4, 2014.

MARX, Karl. Zur Judenfrage. Marx-Engels Werke, Bd. 1. Berlin: Dietz Verlag, 1977, p. 347-377.

MATTEI, Ugo. Efficiency in legal transplants: An essay in comparative law and economics. International Review of Law and Economics, v. 14, n. 1, p. 3-19, 1994.

__________. The Rise and Fall of Law and Economics: an Essay for Judge Guido Calabresi. Maryland Law Review, 2005.

MATTEI, Ugo; NADER, Laura. Plunder: when the rule of law is illegal. John Wiley & Sons, 2008.

MEDINA, Diego López. El nacimiento del derecho comparado moderno como espacio geográfico y como disciplina: instrucciones básicas para su comprensión y uso desde américa latina. International Law: Revista Colombiana de Derecho Internacional, v. 13, n. 26, 2015.

MIGNOLO, Walter D. Novas reflexões sobre “Ideia da América Latina”: a direita, a esquerda e a opção descolonial. Caderno CRH, v.21, n.53, p. 239-252 (2008).

NASCIMENTO, Valéria Ribas do; MARTINS, Evilhane Jum; IRIGARAY, Micheli Capuano. O Constitucionalismo latino-americano: desafios para uma maior aproximação brasileira através da lei nº. 13.123∕ 20151. Em Constituição, Economia e Desenvolvimento: Revista da Academia Brasileira de Direito Constitucional. Curitiba, 2016, vol. 8, n. 15, Jul.-Dez.

NEGRI, Antonio. Empire ( Império. Traduzido por Berilo Vargas. Rio de Janeiro. Editora Record, 2002).

NEVES, Marcelo. Do diálogo entre as cortes supremas e a Corte Interamericana de Direitos Humanos ao Transconstitucionalismo na América Latina. In: In: Galindo, George Rodrigo Bandeira; Urueña, René; Pérez, Aida Torres (eds). (Org.). DHES - Rede Direitos Humanos e Educação Superior: Proteção Multinível de Direitos Humanos. 1ed.Barcelona: UPF- Universitat Pompeu Fabra - Comissão Europeia, 2014, v. 1, p. 258-288.

______. Transnacionalidade do direito: novas perspectivas dos conflitos entre ordens jurídicas, São Paulo: Quartier Latin, 2010.

______.Transconstitucionalismo. São Paulo: Martins Fontes, 2009.

NITSCHKE, Guilherme Carneiro Monteiro. Ativismo arbitral e lex mercatoria. Revista de Arbitragem e Mediação| vol, v. 44, n. 2015.

NORTH, Douglass C. "Some fundamental puzzles in economic history/development". In: Arthur, W. Brian, Durlauf, Steven N. e Lane, David A. (orgs.). The economy as an evolving complex system II. Reading, MA: Addison-Wesley, 1997.

ORFORD, Anne. The Past as Law or History? The Relevance of Imperialism for Modern International Law. Melbourne Legal Studies Research Paper No. 600, Set. 2011 p. 1-17. Disponível em: . Acesso em: 14 jun. 2017.

PAHUJA, Sundhya. Decolonising International Law: development, economic growth and the politics of universality. Cambridge Studies in International and Comparative Law. Cambridge: Cambridge University Press, 2011.

PAHUJA, Sundhya. The postcoloniality of International Law. Harvard International Law Journal, [s.l.], v. 46, n. 2, p. 460-470, 2005.

PEGORARO, Lucio. Constituciones (y reformas constitucionales)«impuestas» o «condicionadas». Para una reclasificación interdisciplinaria de la categoría. Pensamiento Constitucional, v. 18, n. 18, p. 331-356, 2014.

RUCIMAN, David. Political Hypocrisy – The Mask of Power, from Hobbes to Orwell and Beyond. Princeton/Oxford: Princeton University Press, 2008.

SANTOS, Álvaro. “The World Bank’s Uses of the ‘Rule of Law’ Promise in Economic Development”, in A. Santos e D. Trubek (orgs.), The New Law and Economic Development: A Critical Appraisal. Cambridge, Cambridge University Press, pp. 253-300, 2006.

SILVA, Virgílio Afonso da. "Colisões de direitos fundamentais entre ordem nacional e ordem transnacional", in Marcelo Neves (org.), Em torno da transnacionalidade do direito: novas perspectivas dos conflitos entre ordens jurídicas. São Paulo: Quartier Latin, 2009.

TEUBNER, Gunther. Constitutional fragments. Oxford: Oxford University Press. 2012.

______. Global Bukowina: Legal Pluralism in the World-Society (1996). Global law without a State, Gunther Teubner, ed., Dartsmouth, pp. 3-28, 1996.

TRUBEK, David. The ‘Rule of Law’in Development Assistance: past, present, and future. The new law and economic development: A critical appraisal, v. 74, 2006. TRUBEK, David & GALANTER, Michael. Scholars in Self-Estrangement: some reflection on the crisis in law and development studies in the U.S. Wisconsin Law Review, n. 82, p. 1062. 1974.

VARELA, Marcelo D. Internacionalização do Direito: Direito internacional, globalização e complexidade. 2012. 606f. Tese apresentada para a obtenção do título de livre docência em Direito Internacional. Universidade de São Paulo (USP), 2012. https://www.uniceub.br/media/186548/MVarella.pdf. Acesso 04 jun. 2017.

VON BOGDANDY, Armin. Ius Constitutionale Commune in Latin America: A look at a transformative constitutionalism. Revista Derecho del Estado, n. 34, p. 3-50, 2015.

WATSON, Alan. Legal transplants: an approach to comparative law. University of Georgia Press, 1993.




DOI: https://doi.org/10.5102/rdi.v19i3.8622

ISSN 2236-997X (impresso) - ISSN 2237-1036 (on-line)

Desenvolvido por:

Logomarca da Lepidus Tecnologia